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domingo, 28 de setembro de 2014

Não ouço mais o som dos sinos!

Não ouço mais o som dos sinos! (Arte por Flávio Ribeiro)
Muitas vezes nos deixamos levar por uma espécie de "saudosismo barato" que procura enaltecer coisas do passado depreciando seus similares do presente, talvez apenas porque elas tenham sido importantes em algum momento de nossas vidas, mas não necessariamente melhores!

Fato é que certa vez tive uma grata surpresa quando conversei com uma senhora de idade e chegamos nesse assunto: o saudosismo. Foi então que eu comecei a falar com ela das mazelas trazidas pelo progresso e que alteraram muito a forma de viver das últimas décadas como o aumento da violência, da poluição, de como as coisas eram mais fáceis antigamente, do cavalheirismo, da elegância da moda dos anos 40-50, etc. Até para dar um charme legal a nossa conversa, dei uma de poeta dizendo que o progresso havia não só descaracterizado a cidade, mas também tornou-a muito barulhenta já que não conseguíamos mais ouvir o canto dos pássaros, o som dos sinos das igrejas, o cantarolar de um músico na praça e que sentia muito por não ver mais o coreto tocando animado e que nem mais as estrelas em sua plenitude conseguia ver!

Foi quando surpreendentemente a doce senhora me colocou nos trilhos: - Flávio, cai na real, eu tenho 92 anos de idade e só tem um saudosista aqui, ou seja, você meu filho! Olha, na minha época de menina tudo era bem mais difícil, a vida era um verdadeiro terror, a violência sempre aconteceu só não era noticiada, não tinha luz, o saneamento era péssimo, passamos por guerras, tinha muita gente se vestindo de forma cafona (encasacados em pleno calor do Rio de Janeiro), o cavalheirismo existia mas se transformava em machismo dentro de casa, guardávamos a comida em armários porque não tinha geladeira, não tinha TV, passávamos a roupa com um ferro à carvão (sabe o que é isso?), não tinha máquina de lavar, fazíamos casamentos obrigadas, o leite vinha de caminhão (tínhamos que correr atrás dele e encher uma garrafinha de vidro e levar para casa), os poucos que tinham aparelhos de som giravam uma manivela para fazer rodar o disco que chiava com um cão com asma, nem podia votar meu filho! Hoje não, que beleza é o progresso, colocamos a comida e ela fica pronta rapidamente no microondas, meu ferro de passar tem até botão de vapor, tomo banho quentinho (economizando água é claro), se quiser tenho mais de 100 canais de tv em alta definição, minha coleção de discos que empoeiravam na estante cabem direitinho num player de MP3, posso usar a internet e falar com familiares que estão do outro lado do planeta! Oras, com tanta coisa boa e vivendo o passado que eu já vivi você vem me falar que não houve mais o som dos sinos? Me poupe, compre um cd de natal que você vai ouvir muitos sinos tocando! 

Após a suave gargalhada da vovó, eu como professor de história passei a pensar seriamente em rever os meus conceitos! Fui zoado! Que aula de História Viva!

Ferro de passar à vapor, bastante difundido no Brasil nos anos 50

19 comentários:

  1. Olá, Boa noite,Flávio
    sim, eu também penso assim,que não podemos deixar o saudosismo tomar sempre conta de nosso discurso e se foram tempos bons ou ruins, eles estão lá atrás, no passado, e não voltam nunca mais. De fato, como disse a "vó" , a situação atual é bastante diferente , com melhoria dos padrões de vida e o progresso científico e tecnológico tornaram-se cada vez mais o instrumento para a realização de nossas expectativas e até têm permitido à nós agir mais racionalmente para atingir uma vida melhor e permitiu, também, a realização de coisas que jamais haviam sido possíveis até então...mas,infelizmente, temos que pagar um preço por isso, tal como não ouvir mais o som dos sinos...pois em alguns aspectos , piorou e isso por culpa exclusiva dos seres humanos...
    Obrigado pelo carinho,bela semana,abraços!

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    1. Olá,Boa noite,Flávio
      agradecendo pelo carinho, obrigado, Feliz Outubro,belos dias, abraços!

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    2. Obrigado pelas colocações Felisberto! Muito boas....
      Abração.

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  2. Conheço esse ferro e já o utilizei (kkk). Quando terminei o antigo curso Normal, aos 17 anos, lecionei em um município que não oferecia os confortos das cidades maiores, local onde moravam meus avós. Única opção para quem começava a exercer o magistério.
    Seu diálogo com a simpática senhora foi interessante. Creio, porém, que os dois lados têm razões para justificar o diversificado sentimento. O progresso vem acompanhado de coisas boas e de outras nem tanto. Em todas as épocas haverá carências e, certamente, as crianças de hoje, quando adultas, se encontrarão diante da mesma pergunta: o passado era melhor? Abraço.

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    1. Olá Marilene,

      Ainda estou refletindo sobre o papo com a vovó! Porque também tem esse lado que você mencionou e deve ser levado em consideração.

      Obrigado.

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  3. A nossa memória tem tendência para apagar as coisas que nos fazem sofrer. Daí que a maioria das pessoas recorde apenas as coisas boas que viveu. Logo tem dificuldade em ver as mudanças de bom modo. Nós somos 3 irmãos com uma diferença de idade de 30 meses entre o mais velho, eu, e o mais novo, o meu irmão.Pelo meio fica uma irmã, com quem converso todos os dias.Quando falamos da nossa meninice, eu fico espantada com as coisas que ela recorda.Ela fala do sabor do feijão cozido com abobora deliciada. Fala de coisas que eu devia lembrar melhor, porque sou um pouco mais velha, mas não recordo. Em compensação eu lembro de coisas que ela diz que não existiram, que é a minha imaginação que troca o que vivi pelo que imaginei. E não é verdade. Porque é que ela e o meu irmão só recordam as coisas boas daquela vida miserável que tínhamos? E porque acontece diferente comigo se tivemos a infância no mesmo lugar e vivemos juntos
    essas recordações?.
    E eu ainda passei a ferro com um ferro assim. De carvão. Fins de anos 50, inicio dos anos 60. O progresso trouxe maravilhas. Talvez que a sua geração se lamente por não ter vivido as dificuldades que viveram as anteriores. Lembro-me de um dia ter levado meu filho ao sítio onde nasci e vivi a minha infância, e lhe ter falado de como era a vida naquela época, das dificuldades, daquilo que não havia. Ele tinha 6 anos e todas as noites eu me sentava na cama dele para lhe contar uma história. Um dia quando começava a história ele disse-me. "Essa não mãe. Conta a história de quando eras pequena."
    Percebi que para ele o que lhe contei não passava de uma história. Era inconcebível para ele, vivendo num prédio com água luz e gaz, com rádio e TV, e aparelhagem de cd, que fosse possível eu ter vivido num velho barracão de madeira, sem água luz ou eletricidade.
    Dormindo num colchão de palha, coberta por uma manta de trapos.
    Um abraço e uma boa semana

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    1. Olá Elvira! Muito edificante suas colocações! De fato existe mesmo uma espécie de choque cultural entre as gerações.

      Obrigado por seu belo comentário!

      Abraço.

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  4. Muiio legal te ler,Flávio e essa vovó, aos 92 anos, deu uma lela e sábia lição!!! Valeu pra todos nós...abraço praianos,chica

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    1. Olá Chica,
      E essas lições acabam nos marcando, não é mesmo?

      Abraços

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  5. Flavio,que excelente história! De fato hoje temos muito mais conforto e facilidades,mas eu ainda prefiro o som dos sinos ao vivo do que num CD,me perdoe essa bela senhora. Os brinquedos a gente fazia, inventava brincadeiras, nos sujávamos brincando na rua e dormíamos bem porque ficávamos exaustos de tanto nos divertir.Buscava leite no vidro e pão tipo filão na padaria, andavámos de bonde, ninguem tinha carro e A TV surgiu bem depois em preto e branco mas era o máximo! Tenho saudade dos sinos! bjs e ótima semana pra vc,

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    1. Olá Anne,
      Acho mesmo que também não abro mão das facilidades da modernidade, mas mesmo assim confesso que gostaria ainda de ouvir o som dos sinos! Afinal o antigo pode conviver com o novo sem problemas!

      Obrigado.

      Abraço.

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  6. Cara, que texto gostoso, e tinha o mesmo raciocínio, e a vovó está certa, algumas coisas do passado realmente são saudosas, mas temos muitas coisas hoje que, se fossem retiradas do dia pra noite, não conseguiríamos sobreviver, e mesmo achando um absurdo certas coisas hoje em dia, como a forma fria e superficial dos relacionamentos via internet e outras coisas, são elementos que já se instalaram em nossas vida e não conseguimos mais nos desvincular deles. Belo texto, e uma lição de vida pra todos nós.

    Abração pra ti.

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    1. Olá Paulo,
      Também encarei como uma bela lição! Por vezes é bom revermos os nossos próprios conceitos!

      Abração.

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  7. A gente que é historiador deveria conversar mais com o pessoal da terceira idade né?
    Hahahahaha, belissima postagem meu amigo, e uma grande experiencia que tiveste!

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    1. Olá André,
      Sempre que posso gosto de conversar com o pessoal da "melhor idade". No final sempre acabo aprendendo alguma coisa! Um dia, será a nossa vez de ensinar, hahahaahhahaha.....

      Abraço.

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  8. Caramba Flavio! Até que essa vózinha colocou uma minhoca na minha cabeça também! hauhauhauhauhuhuhuh....

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    1. Olá Brunão!
      Não só na sua! Essa vovó deu um baile mesmo!

      Abraço.

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  9. Eita Flávio, tomou uma hein kkkkkkkkkkkkkkkk Há vários pontos nessa abordagem, uma delas é que pessoas gostam de coisas diferentes. Há quem goste de ir para o interior e reviver o que você disse assim como há quem goste da nova forma de viver. Mas, de um jeito ou de outro, devemos tomar proveito do que temos hoje.
    É verdade o que ela disse, sobre a violência e o cavalheirismo. Talvez ela goste tanto do hoje por ter vivenciado um passado desse tipo, em que o 'mal' era camuflado.
    E olha, velhinha esperta viu, minha avó não usa nem dvd kkkkkkk
    Grande abraço!

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    1. Olá Mateus,

      De fato acredito que existam as duas realidades, e como disse numa resposta acima, creio também que as duas realidades possam conviver sem problemas...

      Abração.

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